19/05/2009

Agrupamento de disciplinas na contramão da qualidade de ensino



Por Mário San Segundo

O governo corrupto de Yeda tem atacado seriamente a educação pública do Rio Grande do Sul. Se já não bastasse a enturmação, escolas de lata, baixa remuneração, repressão policial aos trabalhadores em educação e reformulação do plano de carreira do magistério, visando a retirada de direitos conquistados com muitas lutas pelos educadores, a secretária Mariza Abreu anunciou um outro projeto que pode comprometer a qualidade de ensino nas nossas escolas, o agrupamento de disciplinas em grandes áreas do conhecimento.

O projeto segue o modelo do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) do governo Lula, que será realizado através de uma prova em que as disciplinas estão agrupadas em quatro áreas, as mesmas propostas aqui no Estado, que em termos gerais são: Linguagens (português, literatura, língua estrangeira, arte e educação física); Matemática; Ciências da natureza (biologia, química e física); e Ciências humanas (história, geografia, filosofia e sociologia).

Isso demonstra uma certa sintonia entre as propostas educacionais nacional e estadual, o que já poderia ser percebido com a oficialização da interferência privada na educação pública com o projeto “Todos pela educação” a nível nacional e com os convênios com as empresas/fundações aqui no estado e que agora fica mais evidente na medida em que há uma convergência de interesses no agrupamento das disciplinas, que não ocorre por acaso.

Segundo a secretária de educação, o projeto de agrupamento disciplinar deve ser enviado para a Assembléia Legislativa em junho, mas já se pode perceber elementos problemáticos neste, tanto do ponto de vista social quanto pedagógico.

Do ponto de vista social pode-se afirmar que esta mudança em um ambiente escolar de desmonte físico das escolas públicas, precariedade de equipamentos, defasagem salarial, com professores trabalhando 60 horas para terem um salário minimamente digno e com uma dificuldade imensa de fazerem formação continuada por esses motivos, irá aumentar ainda mais as diferenças entre as escolas públicas e as privadas, fazendo com que o acesso a universidade fique mais elitizado do que já está, pois o ingresso nas universidades será via o próprio ENEM, aprofundando as diferenças sociais de nosso país. É inegável que as escolas privadas terão mais facilidade de se adequar ao novo sistema e que os filhos dos trabalhadores pobres terão que fazer cursinhos pré-ENEM, se puderem e tiverem esperança de ingressarem na universidade.

Do ponto de vista pedagógico a situação fica mais delicada. A secretária Mariza tem afirmado que os professores terão que se adequar a nova realidade preparando-se para dar aulas de outras disciplinas da mesma área, o que vai na contramão da qualidade de ensino, pois é sabido que nós temos preparação de anos para dar aula de uma disciplina e que mesmo com muita formação continuada as vezes nos encontramos defasados para exercer perfeitamente nossas tarefas em sala de aula. Como poderemos passar a dar aulas de outra disciplina, com qualidade mínima, sem uma preparação prévia que corresponda as necessidades reais de exercer bem nossa profissão? Estão nos pedindo para precarizar mais ainda a já precarizada educação pública.

A possibilidade de passar a dar aulas de outra disciplina, mesmo que da mesma área de conhecimento é uma falsa interdisciplinaridade que esconde por trás uma visão pedagógica elitista, que entende que aos estudantes das escolas públicas qualquer conteúdo passado de forma burocrática, apenas para constar, serve. Tudo isso amparado pelo sistema de avaliação federal que não leva em conta as estruturas das escolas, remuneração dos trabalhadores e possibilidade destes fazerem formação continuada. Além disso as declarações da secretária demonstra um profundo desconhecimento da realidade das escolas no RS, onde já é difícil ensinar do jeito que está, quanto mais tendo que ensinar o que não se sabe com a devida profundidade.

O que necessitamos são salários dignos que possibilitem trabalhar menos em sala de aula para fazer mais formação continuada e atender bem as atuais disciplinas. Precisamos de tempo para as reuniões pedagógicas que possibilitem aos professores armarem currículos interdisciplinares na prática, que articulem conteúdos em comum, em aulas e atividades de convergência, formando pessoas críticas e integradas ao mundo afim de transformá-lo. Isso não tem sido possível pela falta de professores e baixo salários que fazem educadores ficarem o dia todo em sala de aula impedindo uma educação melhor para nossa sociedade e não pela falta de uma canetada que imponha esta estranha modificação, sem discussão alguma com a comunidade escolar, como as anti democráticas Yeda/Mariza pretendem fazer.
Precisamos é de uma reestruturação da escola pública para realizarmos modificações reais que atendam as necessidades dos que necessitam da escola pública e não de pirotecnias eleitoreiras, que prejudicarão ainda mais a qualidade de ensino.

Texto originalmente publicado no site do CPERS dia 19/05/2009

Mário Augusto Correia San Segundo é professor de História em Alvorada e Mestrando em História pela UFRGS

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