Por Moacyr Scliar em ZH de 13/10/2009
Outubro é um mês de muitas comemorações. Assim, temos o Dia das Crianças, a data da “descoberta” da América (estas aspas lembram o fato de que se tratou de descoberta para os europeus, não para os índios que aqui viviam), o Dia do Médico, e o aniversário da Revolução Russa de 1917.
Todas estas datas têm correspondência, de alguma forma, no Dia do Professor. Querem ver? Para começar, os professores cuidam das crianças, muitas vezes suprindo as carências das famílias, carências estas que se tornam cada vez mais evidentes: pais distantes, pais ausentes, pais perturbados, até. A escola é, no mínimo, um segundo lar, quando não o primeiro. Neste sentido, os professores também têm algo em comum com os médicos. Na verdade, boa parte dos cuidados de saúde começam na escola, coisa que constatei em meu trabalho de saúde pública: muitas vezes eram os professores, não os pais, que detectavam problemas nas crianças. E muitas vezes eram os professores que ensinavam a essas crianças seus hábitos de higiene.
Por outro lado, e como os audazes navegadores do passado, os professores levam seus alunos a descobrir – agora sem aspas – o mundo, um novo mundo. Que nem sempre é o melhor dos mundos, claro, mas é o mundo em que precisamos viver. Isto significa, não raro, uma revolução, não sangrenta como foi a revolução russa, este, um acontecimento que marcou o século 20 e que despertou enormes esperanças entre os pobres e oprimidos, esperanças afinal frustradas pelo brutal regime stalinista. Estamos falando de uma revolução modesta, silenciosa, mas nem por isso menos radical e transformadora. A frase que Lenin pronunciou quando, em 25 de outubro, os bolcheviques tomaram o Palácio de Inverno, sede da monarquia russa – “Iniciamos agora a construção de uma nova sociedade” – poderia ser dita por um modesto professor em sua, não raro, precária escola. Porque as revoluções mais importantes não são aquelas em que o poder é conquistado a ferro e fogo, em que os inimigos são executados, em que dirigentes dizem ao povo o que deve ser feito; não, as verdadeiras revoluções ocorrem de maneira quase imperceptível. Quando uma criança escreve, de maneira hesitante, as primeiras letras em seu caderno, temos uma revolução. Quando lê o seu primeiro livro, temos uma revolução. Quando aprende a trabalhar com o computador, temos uma revolução.
Em sua maioria, as revoluções hoje não passam de lembrança do passado, e em muitos casos é bom que assim seja. Mas a lenta revolução promovida pelo processo educacional, esta fica. Tomem o caso de nosso país. Na época de Machado de Assis, um censo feito na cidade do Rio de Janeiro – que era então a capital federal – mostrou que 80% dos habitantes da cidade eram analfabetos. Hoje é o contrário: 90% dos brasileiros estão alfabetizados. Graças, sobretudo, aos anônimos mestres que lhes ensinaram as primeiras letras.
Os professores nem sempre têm muitas razões para comemorar o seu dia. Os salários continuam baixos, as condições de trabalho não raro apresentam deficiências, e, como ZH mostrou no último domingo, a violência chegou às escolas. Mas a coragem com que enfrentam o desafio diante deles é colocado é admirável. É uma lição que todos deveríamos aprender.
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