10/05/2009

Nova qualidade para a educação pública, por Neiva Lazzaroto

O debate sobre a qualidade da educação pública envolve aspectos como a quem se destina, seus objetivos e as políticas adotadas para alcançá-los. Sobretudo, qualidade da educação pressupõe conectá-la profundamente à situação social, política e econômica vivida pela humanidade e pelo próprio planeta.

Sendo a escola pública o espaço das classes populares e diante das sucessivas avaliações de português e matemática que revelam que o desempenho dos estudantes está aquém das metas estabelecidas, de duas uma: ou desconsidera-se o fato de que os estudantes não têm em casa estímulo à leitura e à pesquisa e que os professores que trabalham em escolas com bibliotecas fechadas, laboratórios desativados, quando a escola não é um contêiner – estes professores não são milagreiros; ou os responsáveis pelas políticas educacionais negligenciam as condições elementares ao processo ensino-aprendizagem.

Se à escola cabe preparar gerações para o convívio social e o mundo do trabalho, é inegável que isto está sob profundo questionamento. Então, o debate sobre a tarefa educativa e os referenciais curriculares requer considerar a crescente apreensão global sobre os destinos da humanidade e do planeta. Vale ler pensadores como o filósofo István Mészàros, o economista François Chesnais, o urbanista Mike Davis e o sociólogo Boaventura de Souza Santos, que analisam o atual momento como “a maior crise da história humana” ou “o limite de uma civilização”. Uma “convergência de crises”, da climático-ambiental à alimentar, até a econômico-financeira; enfim, “uma crise estrutural do sistema produtivo” capitalista.

A escola tem que ir além do que faz hoje – acolhida, alimentação, cuidado, segurança, orientação e construção de conhecimentos. Daí, que a escola básica e a universidade não podem ser submetidas aos interesses do mercado, representado seja pela Agenda 2020 ou pelo Movimento Todos pela Educação. A conjuntura mundial desafia-nos a formar gerações com uma nova consciência, objetivando uma profunda reestruturação econômica, com outra racionalidade, na busca de uma sociedade baseada na justiça social e no convívio harmonioso com a natureza. E não pessoas dotadas apenas de competências e habilidades numa clara visão instrumental de preparo de mão-de-obra para o estágio atual da indústria e dos serviços.

Uma avaliação da qualidade da educação requer ainda um sério exame das políticas educacionais. Se o Ensino Fundamental está praticamente universalizado, falta garantir a educação infantil e a todos os jovens o Ensino Médio e a universidade gratuita. Não se pode querer menos do que isso, pois o Brasil é a oitava economia do planeta. No entanto, o investimento público em educação padece de um enorme atraso ou sofre um retrocesso: o orçamento do governo Yeda para 2009 prevê a redução dos 35% constitucionais para apenas 26% da receita, enquanto em termos nacionais, por mais programas que Lula oferte aos municípios somados ao PDE, o país investe apenas 4% do PIB (é preciso que esse percentual alcance 10%). Essa situação é inaceitável, pois a educação foi submetida a profundos cortes, visando produzir o maquiado “déficit zero” aqui e o “superávit primário” lá.

Penso que o atual momento histórico impõe a educadores e gestores públicos a tarefa de realizar uma profunda revolução na educação para alcançar qualidade social e patamares de países desenvolvidos. É urgente dobrar os investimentos em pesquisa, salários e carreiras compensadoras, em uma nova formação para os educadores, em condições pedagógicas adequadas às exigências de um desenvolvimento solidário e harmonioso. Isto tudo submetido a um processo democrático entendido como a criação de um ambiente novo no qual os que atuam no cotidiano da escola não sejam desprezados e punidos, mas tenham voz e sejam valorizados. E, em respeito a nossa sociedade e à tradição ética da boa política, que todas as denúncias acerca do governo Yeda, desde o escândalo do Detran até as recém feitas pelo PSOL, sejam esclarecidas, sob pena de pairar a dúvida de que o dinheiro público que falta à educação, ao pagamento do piso salarial dos educadores e aos serviços públicos tenha sido usado em proveito de indivíduos ou agrupamentos políticos.

Neiva Lazzaroto

Professora de português
2°Vice-presidente do CPERS

Texto publicado em Zero Hora de 4/3/2009.

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